Como num filme
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Diz-me, Amor, como Te Sou Querida
Dize-me, amor, como te sou querida,
Conta-me a glória do teu sonho eleito,
Aninha-me a sorrir junto ao teu peito,
Arranca-me dos pântanos da vida.
Embriagada numa estranha lida,
Trago nas mãos o coração desfeito,
Mostra-me a luz, ensina-me o preceito
Que me salve e levante redimida!
Nesta negra cisterna em que me afundo,
Sem quimeras, sem crenças, sem turnura,
Agonia sem fé dum moribundo,
Grito o teu nome numa sede estranha,
Como se fosse, amor, toda a frescura
Das cristalinas águas da montanha!
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Florbela Espanca, in “A Mensageira das Violetas”
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Eternamente
Escrevi o teu nome e o teu número de telefone numa página da agenda do mês de Fevereiro.
E ao escrevê-lo, sabia que era uma despedida,
nós todo o mês de Março nos arrastámos na despedida,
como os caranguejos nas maré vazia.
Sem ti, lancei outras raízes, construí pátios e terraços,
fontes cujo som deveria apagar todos os silêncios,
plantei um pomar com cheiro a Damasco, mandei fazer um banco de cal à roda de uma árvore para olhar as estrelas no céu,
um caminho no meio do olival por onde o luar pousaria à noite,
abóbadas de tijolo imaginadas pelo mais sábio dos arquitectos
e até as teias de aranha suspensas no tecto, como se vigiassem a passagem do tempo.
Nada disso tu viste, nada te contei, nada é teu.
Sozinhos, eu e a aranha pendurada na sua teia,
contemplámo-nos longamente, como quem se descobre,
como quem se recolhe, como quem se esconde.
Foi assim que vi desfilar o tempo, as paredes escurecendo,
um pó de tijolo pousando entre as páginas dos mesmo livros que fui lendo,
repetidamente.
Como explicar-te como tudo isto se te tornou alheio,
como tudo te pareceria agora estranho,
como nada do que foi teu vigia o teu hipotético regresso?
E arranquei a página da agenda com o teu nome e o teu número de telefone.
Veio a seguir Abril e depois o Verão.
Vi nascer a fios da tremocilha e das buganvílias,
vi rebentar o azul dos jacarandás em Junho,
vi noites de lua cheia em que todos os animais nocturnos se chamavam rãs,
corujas e grilos, e um espesso calor sobre a devassidão da cidade.
E já nada disto, juro, era teu.
E foi assim que descobri que todas as coisas continuam para sempre,
como um rio que corre ininterruptamente para o mar,
por mais que façam para o deter.
Sabes, quem não acredita em Deus,
acredita nestas coisas, que tem como evidentes.
Acredita na eternidade das pedras e não na dos sentimentos;
acredita na integridade da água, do vento, das estrelas.
Eu acredito na continuidade das coisas que amamos,
acredito que para sempre ouviremos o som da água no rio onde tantas vezes parámos,
para sempre passaremos pela sombra da árvore onde tantas vezes parámos,
para sempre seremos a brisa que entra e passeia pela casa,
para sempre deslizaremos através do silêncio das noites quietas
em que tantas vezes olhámos o céu e interrogámos o seu sentido.
Nisto eu acredito:
na veemência destas coisas sem princípio nem fim, na verdade dos sentimentos nunca traídos.
É a tua voz ouço-a agora, vinda de longe,
como o som do mar imaginado dentro de um búzio.
Vejo-te através da espuma quebrada na areia das praias,
num mar de Setembro, com o cheiro a algas e a iodo.
E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente.
Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros.
Para Ti
*♥*
Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo
Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre
Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida.
*♥*
Mia Couto
Às vezes é preciso aprender a perder
A ouvir e não responder
A falar sem nada dizer
A esconder o que mais queremos mostrar
Às vezes é preciso partir antes do tempo
Dizer aquilo que mais se teme
Arrumar a cabeça e limpar a alma
Às vezes mais vale desistir que insistir
Esquecer do que querer
Às vezes é preciso apagar a memória
Sem medo de a perder para sempre.
(Autora do poema: Minha amiga Anna)
Queria aprender a voar,
para onde não houvesse tristeza.
Fosse sob a luz do sol ou da lua,
ou o fundo do mar.
Queria encontrar a alegria..
Esforço-me para não me entregar
à tristeza que trago no coração,
o meu olhar humedece a minha face.
Eu queria voar e no mundo da fantasia
quem sabe um dia ser feliz e não me lembrar
De que viver às vezes dói.
Queria…
Libertar-me de alguns pensamentos
Que me corroem a alma.
Para então saber viver sem chorar,
Não o choro exposto,
Mas o choro da minha alma.
Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor…
já não se passa absolutamente nada.
E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos nada que dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
“Eugénio de Andrade”